quinta-feira, abril 20, 2006

AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU AO MEU PAI

Revolucionário

Nasci a 22 de Abril de 1974, três dias antes da revolução dos cravos.
O meu pai costuma dizer que fui a prenda que o 25 de Abril lhe deu.
O meu pai foi mencionado nas listas da P.I.D.E., lia o Avante em terceira ou quarta mão, ia visitar ao meu tio à prisão, que foi um preso político, levava-lhe “sandes” envoltas em papel vegetal com as mesmas noticias do Avante transcritas, por ele, a lápis.
A minha mãe dizia-lhe: - Qualquer dia ficas lá também.
O meu pai tem dois filhos, eu e o meu irmão, nascido em 1971, mas sempre o ouvi dizer que o dia mais feliz da sua vida foi o dia 1 de Maio de 1974. O povo saiu à rua para fazer valer os seus valores no pós-revolução.
O meu pai sentiu na pele o antigo regime, a opressão de não se poder falar e as loucuras cometidas por familiares contra Salazar. Alguns deles foram presos. Estudou e formou-se homem de respeito. Em 1974 ingressa como militante activo no P.C.P.
Mas a sua formação de democracia confundiu muitas vezes os seus camaradas de luta, não percebia como é que um partido que zela pelos direitos dos trabalhadores pode ser tão cego no seguimento de uma ideologia e não ver o que é melhor , passando muitas vezes por cima do melhor para confundir o que era mau. A esses chamou-os à razão e disse-lhes que nesta forma de luta ele não alinhava, que continuar, seria curar um cancro com aspirinas, em pleno plenário na fábrica onde trabalhava. E assim foi...
As discórdias continuaram e meu pai começou a ser visto como um vermelho que cuspia veneno por não alinhar no que lhe propunham.
Numa sala cheia de comunistas vi o meu pai entrar e ficar junto à porta, enquanto Carlos Carvalhas dizia que iriam aumentar a votação para as legislativas com mais votos ficando a bancada parlamentar com mais deputados. Vi o meu pai mover-se e encostar-se novamente à ombreira da porta. Quando foi dada a oportunidade de intervenção do público o meu pai levantou o braço e eu estremeci.
Perguntou ao secretário geral do P.C.P. como é que a votação iria aumentar se desde 1974 tinham vindo a descer os índices de votação no partido, e em cada eleição perdiam deputados... Vi o meu pai rematar a pergunta com o seguinte:
- O senhor está a querer enfiar-nos um camião de areia, um autocarro da carris, ou um comboio da C.P. pelos olhos dentro?
Naquela sala cheia de comunistas os olhos voltaram-se para trás e condenaram-no, não houve pancadaria mas os ânimos exaltaram-se um pouco.
Dezoito anos passados a ver erros consecutivos na política imposta pelos que se diziam seus camaradas, desistiu da militancia do P.C.P. Curou-se da política e continuo a luta sozinho. A fábrica onde trabalhava fechou. Dos seus camaradas da altura, muitos foram para os tachos autárquicos porque no concelho ainda reinava a cor. Era corriqueiro ouvir falar na cor, e quem não fosse da cor era alvo a abater. Por esta causa muitos dos que se diziam seus amigos deixaram de lhe falar em questões políticas.
O meu pai ensinou-me então que a liberdade também se cultivava, e que respeitar a opinião dos outros era mais importante que a movimentação das massas. Primeiro o nosso pensamento depois vêm os ideais políticos. E ensinou-me a ver os outros de modo igual numa democracia viva. Que também ele admirava os seus amigos de outras cores políticas.
Há dois anos o meu irmão e eu envolvemo-nos no combate à demagogia comunista local, neste caso houve violência verbal e física, as velhas ratas que se diziam amigos do meu pai comeram-nos por modernos esquerdistas que não interessam ao partido. O tempo deu-nos razão...
O meu pai continua comunista e a sofrer, e apesar do panorama politico-partidário vergonhoso a nível nacional pediu-me que votasse Jerónimo de Sousa para as Legislativas. O meu irmão no seu silêncio continua comunista.

Sou comunista por hereditariedade, mas acima de tudo sou Homem e Revolucionário.

Dedicado ao homem mais importante da minha vida, MEU PAI.

4 comentários:

james disse...

és o "maior" comuna que eu conheço...isso é certo!
lindo texto...cheio de recordações e emoções...Avante camarada...Avante!

Anónimo disse...

e depois do adeus,,,

Revejo-me tambem em algumas partes dessas palavras...

PInacio disse...

O povo, o nosso povo...
Até amanhã camarada!!!

Saudações musicais.

PCP - Assim se vê a força do PC(ou será dos KD)

Meideprak disse...

Grande Abraço!
Onde anda essa Carvalhesa, essa potente e delirante música?